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Maria Lúcia Prado Sabatella – Instituto para Otimização da Aprendizagem –
INODAP
Para entender como alguns
indivíduos se tornam superdotados e outros não, e favorecer sua educação,
precisamos nos familiarizar com a estrutura básica e as funções do cérebro
humano.
No nascimento, o cérebro humano
contém entre 100 a 200 bilhões de células (Teyler, 1977) e, no adulto, vai
chegar a 2% do seu peso corporal e usar 20% de toda a energia do corpo. O
cérebro gera 25 Watts de potência quando a pessoa está acordada e não muito
menos quando está dormindo. As informações caminham através dele com a
velocidade de 400 km por hora.
O córtex ocupa 85% da massa
cerebral é responsável pelo fundamento
dos modelos e técnicas de resolução dos problemas que desenvolve e o lobo
pré-frontal integra as informações de outras partes do cérebro e sintetiza as
reações complexas (Struss & Benson, 1984).
Como outras partes pares do corpo
humano — olhos, ouvidos, braços, rins, pulmões — o cérebro, segundo alguns autores, está sendo considerado como um órgão
duplo também. Os dois lados, chamados hemisférios, são conectados por um feixe
de nervos - o corpo caloso. Ele é,
realmente, a rede que transmite as informações entre os dois hemisférios,
responsável por passar, aproximadamente,
quatro bilhões de mensagens a cada segundo.
Neurônio
- A célula nervosa, ou neurônio — unidade
básica do cérebro — é um minúsculo sistema para o processo de informação,
recebendo e enviando milhares de sinais. É composto pelo corpo da célula, pelos dendritos
e por um axônio. Sua especialidade é
receber, codificar e transmitir estímulos, além de outras funções relacionadas
com o armazenamento de informações, formação de hormônios específicos, síntese
de proteínas.
Os dendritos
são fibras curtas que se estendem do corpo da célula, formando caminhos para
receber as informações de células nervosas. O axônio é uma fibra nervosa longa que se estende do núcleo e serve
como um transmissor, enviando sinais que são captados pelas ramificações dos
dendritos. Os impulsos gerados por um neurônio são descarregados ao longo do
seu axônio, trafegando, também, por todas as suas ramificações, até atingir os
pontos de contacto dos axônios com os corpos e dendritos de outros neurônios
(Popper & Eccles, 1991). A atividade entre os neurônios é transmitida pelos
dendritos de uma célula, em contato com o axônio da outra. O final do axônio
não toca o dendrito da outra célula, mas transmite a informação, quimicamente,
por uma região onde as células estão contíguas. Essa junção, através da qual os
impulsos passam de uma célula para outra, é chamada sinapse. A transmissão de um impulso nervoso é um processo
eletroquímico. Na sinapse, os
impulsos elétricos, emitidos pela célula, são convertidos em sinais químicos e
novamente em impulsos elétricos.
Neuróglia
- Para os neurônios realizarem suas
múltiplas atividades, é necessária a presença de células auxiliares que formam
a neuróglia (células da glia). Essas células desempenham papel importante na
nutrição dos neurônios, dão apoio necessário e adequado, formam a bainha de mielina, uma camada especial
que protege o axônio e amplifica o sinal emitido pela célula, além de retirar,
na medida do possível, os elementos que podem prejudicar o desempenho dos
neurônios e das demais células auxiliares (Viñolo, 1987).

A proporção da produção das
células gliais é influenciada pela riqueza da estimulação proporcionada pelo
ambiente (Rosenzweig, 1966). Quanto mais glia, mais acelerada será a atividade
sináptica e mais força terão as trocas dos impulsos entre duas células, o que
resultará em maior rapidez e mais complexos padrões de pensamento - duas características que encontramos nas
crianças superdotadas.
Cada célula nervosa está,
corretamente, localizada e pronta para ser desenvolvida, pronta a ser usada
para atingir o mais alto nível do potencial humano. Com um pequeno número de
exceções, todas as crianças vêm equipadas com esta maravilhosa e complexa
herança. Uma vez que não desenvolveremos mais células nervosas, é inteiramente
necessário que todas as que possuímos, se usadas, possam nos permitir processar
alguns trilhões de bites de informações durante nossa vida (Sagan, 1977).
Influência
na aprendizagem - Um ambiente cheio de
oportunidades de aprendizagem pode alterar, portanto, as células auxiliares do
cérebro (Barret, 1992). Uma ativação intensa, como por exemplo, um exercício de
aprendizagem, faz aumentar, consideravelmente, o número das sinapses.
O processo de aprendizagem pode
ser melhorado pelo aumento da força e da velocidade da transmissão na atividade
sináptica. Em consequência, alterações
no processo de ensino-aprendizagem poderão incentivar o crescimento nas
ramificações dos dendritos, na complexidade da rede de conexões entre os
neurônios, e a quantidade das células gliais aumentará. São diferenças
mensuráveis nos cérebros que mostram desenvolvimento avançado e acelerado. Os
estudos recentes a respeito do cérebro têm mostrado que indivíduos muito
inteligentes, ou bem-dotados, são biologicamente
diferentes — consequência da interação entre os padrões genéticos e as
oportunidades do meio, para produzir essas mudanças na estrutura cerebral.
Podemos concluir então que,
associadas a uma boa base neurológica, fornecida pelo genótipo, as
oportunidades que proporcionarmos, serão decisivas na mudança, não apenas do
comportamento das crianças, mas na alteração de sua estrutura celular.
Por esse caminho, os superdotados
tornam-se, biologicamente, diferentes da média dos alunos, não só pelo
nascimento, mas como resultado da utilização e desenvolvimento da maravilhosa e
complexa estrutura com que nasceram. Ao
nascerem, quase todos estão programados para serem fenomenais (Clark, 1992).
Os Hemisférios
do Cérebro
Um outro prisma para ver a
organização do cérebro, que pode auxiliar o entendimento sobre a aprendizagem e
o desenvolvimento da inteligência, é estar consciente da assimetria existente
nos hemisférios cerebrais. As pesquisas nessa área já provam a utilidade do
conhecimento de que cada hemisfério é especializado em certos tipos de funções.
A identificação desse funcionamento especializado, alerta para a necessidade de
diferentes tipos de experiências educacionais, se quisermos utilizar todo o
potencial que possuímos.
As escolas têm-se direcionado
para a aprendizagem analítico-cognitiva do hemisfério esquerdo, enquanto
desvalorizam ou, em alguns casos, suprimem qualquer utilização da cognição mais
holística, especialidade do hemisfério direito (Clark, 1992).
O neurobiologista John Hughlings
Jackson em 1864 já descrevia o hemisfério esquerdo do cérebro como a sede da faculdade de expressão.
Um dos maiores pesquisadores da
especialização dos hemisférios cerebrais é Roger Sperry, do Califórnia
Institute of Technology, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, em
1981, por haver demonstrado, em laboratório, as funções específicas de cada
hemisfério cerebral. Nas pesquisas de sua equipe, salientam-se que, embora
distintas, as funções não são exclusivas de cada hemisfério, e considera-se
cada um como especialista em suas funções (Machado, 1990).
O cérebro humano consegue
compatibilizar duas funções até certo ponto inconciliáveis: especialização e
generalização. Embora a organização cerebral combine especializações e
não-especializações, localizações e não-localizações, esse órgão tem a incrível
capacidade de integrar todas as informações processadas. Por outro lado, os
hemisférios cerebrais (direito e esquerdo) não são funcionalmente equivalentes
(Sanvito, 1991).
A nossa mente organiza as
informações ambientais mediante uma internalização do nosso mundo espacial. Por
ter mais habilidade no processamento das informações viso-espaciais, o cérebro
direito vai construindo um mapa cognitivo do nosso mundo, com as experiências do
dia-a-dia.
Como esse conhecimento é ainda
recente e somente agora é que se está tomando consciência de que o ser humano
possui enormes potencialidades não utilizadas, o sistema educacional,
normalmente partindo da premissa de que inteligência não se ensina, tem arcado
com as conseqüências de uma conclusão errada.
A ciência reconhece que se usa
muito pouco das reservas cerebrais. Isso não se refere a regiões inexploradas
do cérebro, e sim, à falta de treinamento adequado para o uso das reservas
existentes.
A inteligência é a potencialidade
e, portanto, algo que se desenvolve, mas não se recebe pronto. “A inteligência
não é hereditária; não é inata. O que é inata é a faculdade, a aptidão, a
capacidade que permite a qualquer ser humano normal chegar a ser inteligente”
(Machado, 1990, p. 14). Para melhor compreensão podemos analisar que o homem
está, geneticamente, equipado para falar, mas não nasce falando. Essa
possibilidade é recebida hereditariamente, e será desenvolvida a partir dos
estímulos que ocorrerem. Da mesma forma, o que faz surgir a inteligência são as
faculdades a serem desenvolvidas.
Partindo desse princípio, para a
mobilização de todas as reservas, normalmente não-utilizadas, é preciso
conhecer a estrutura da mente, do cérebro e do intelecto.
Cérebro
— é o elemento anatômico, é o principal órgão físico do pensamento racional, da
inteligência.
Intelecto
— abrange o conjunto de operações propiciado pela estrutura neuronal do sistema
nervoso que torna possível o processo cognitivo, especialmente no seu aspecto
racional.
Mente
— é um complexo de atividades perceptivas, ideativas, imaginativas,
associativas, discriminatórias; é a essência da capacidade de pensar (com ou
sem palavras).
Integração das
Funções dos Hemisférios
Enquanto os hemisférios do
cérebro são capazes de especialização, a total integração do seu uso geraria um
desempenho extraordinário.
É muito importante reconhecer não
apenas a especialização de cada hemisfério, mas também a evidência da
necessidade de interação e apoio entre eles. Existem mais conexões nervosas
entre as metades do cérebro, feitas por meio do corpo caloso, do que entre ele e o resto do corpo. Para utilizar,
efetivamente, o potencial que possuímos, precisamos desenvolver os tipos de
funções e integrar nossas experiências de aprendizagem. Se continuamos a
direcionar toda atenção para as funções cognitivas racionais de nosso cérebro,
nós mesmos, paradoxalmente, limitaremos, em muito, essas funções. Sem a ajuda
de um hemisfério direito bem desenvolvido, o crescimento do esquerdo será
inibido.
Para muitas atividades, tanto
físicas como mentais, o homem requer que ambos os hemisférios funcionem em
grande integração, permitindo, por exemplo, a compreensão dos cálculos e do
conceito matemático, a estrutura e a melodia da música, a sintaxe e a poesia da
linguagem (Clark, 1992).
Ao considerarmos o hemisfério direito mais criativo ou emocional, devemos lembrar que, na maioria das vezes, ambos os
hemisférios trabalham em conjunto, dividindo responsabilidades e integrando
correntes de pensamento. Podemos exemplificar como eles cooperam:
• Quando cantamos uma canção, o
hemisfério direito mantém o senso da melodia e do ritmo, enquanto o esquerdo
fornece as palavras e opera com o nosso aparato vocal.
• Quando escrevemos a descrição
de um trabalho artístico, começamos por imaginar o trabalho (hemisfério
direito), mas tão logo começamos a redigir, o hemisfério esquerdo inicia sua
colaboração.
• Quando resolvemos um problema,
o hemisfério esquerdo coopera com o raciocínio dedutivo, enquanto o direito
contribui com a intuição e a percepção (Barret, 1992).
Como nos mostra a história, muitas
descobertas significativas e criativas foram feitas por pessoas que utilizavam,
de forma mais eficiente, os dois lados de seu cérebro:
Einstein e outros cientistas
famosos pareciam utilizar predominantemente o hemisfério esquerdo, enquanto
Picasso, Cézanne e outros grandes artistas e músicos, aparentemente, teriam a
dominância do hemisfério direito (Buzan, 1991).
Investigações mais minuciosas
levantaram algumas verdades fascinantes: Einstein teve fracassos em Francês na
escola e, entre suas atividades, são citadas tocar violino, artes, navegação e
jogos de imaginação. Esses jogos foram a base da compreensão de muitas de suas
mais significativas descobertas científicas. Enquanto se imaginava deslizando
pelos raios de sol, em um ensolarado dia de verão, pelas longínquas
extremidades do universo, ele compreendeu que o universo devia, efetivamente,
ser curvo, e que seus estudos anteriores estavam incompletos.
As idéias, números e equações
começam a fluir como figuras e imagens e, então, ele as transformou nas palavras
que nos deram a Teoria da Relatividade
— uma síntese do trabalho dos hemisférios direito e esquerdo.
Nos últimos duzentos anos, um
homem se sobressaiu como o maior exemplo do que um simples ser humano pode
fazer, se ambos os lados de seu cérebro forem desenvolvidos simultaneamente: Leonardo da Vinci.
No seu tempo, ele demonstrou o
maior talento e habilidade em cada uma das seguintes disciplinas: Arte,
Escultura, Fisiologia, Ciência em geral, Arquitetura, Mecânica, Anatomia,
Física, Invenção, Meteorologia, Geologia, Engenharia e Aviação. Ele também
podia tocar, compor e cantar baladas espontaneamente, enquanto dedilhava
qualquer instrumento de cordas, nas cortes da Europa. Ele não foi grande
somente por usar a imaginação, cor, ritmo e forma. Foi também excelente em
Matemática, Linguagem, Pensamento Lógico e Analítico. Em vez de fazer a
separação de todas as diferentes áreas de suas habilidades latentes, ele as
combinava (Buzan, 1991).
Parece, então, que, quando nos
descrevemos como talentosos em determinadas áreas e não em outras, o que
realmente descrevemos são aquelas áreas do nosso potencial que temos
desenvolvido com sucesso e aquelas que ainda estão adormecidas, as quais, na
realidade, poderão, com a correta estimulação, chegar a florescer.
Ainda não conhecemos as
habilidades que possuímos e em que extensão poderemos desenvolvê-las com o uso
harmonioso de ambos os lados de nosso cérebro.
O conhecimento do desenvolvimento
biológico mostra a possibilidade do crescimento avançado e integrado dos fundamentos
das funções humanas, as quais são também consideradas como as maiores funções
do cérebro: cognitiva, afetiva, percepção física e intuitiva. O conceito de
inteligência e também de superdotação não estará por muito tempo confinado
apenas à função cognitiva, mas claramente precisa incluir todas as funções
cerebrais e seu uso integrado e eficiente. Assim, inteligência poderá ser vista
como um agregado do funcionamento cognitivo, afetivo, intuitivo e físico do
indivíduo. Ela pode ser aumentada, ou inibida, pela interação entre os padrões
genéticos e as oportunidades fornecidas pelo meio (Clark, 1992).
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